Não é de hoje que espera-se da mulher o recato, a delicadeza e uma fragilidade para muitos charmosa e envolvente. Somos educadas a não chamar palavrão, a falar pouco, a estudar e só namorar mais tarde, a usar roupas comportadas, a falar pouco, a rir baixo, a ser discreta, ser delicada e mansa, a ser bela, ser magra e comer pouco. Se possível, ser do lar também, porque ninguém é de ferro. O que fazemos com a realidade de que somos humanas, demasiadamente humanas? Deparamo-nos então com realidades próprias e de amigas, dando conta que até homens aparentemente diferenciados, mais progressistas e inteligentes, admiradores de mulheres avançadas e independentes, não sustentam a atração e sucumbem à convivência com mulheres que colocam-se no oposto da servidão ou da mansidão. Ao ler o Think Olga por estes dias, deparei-me com esse texto da Luíse Bello. É muito bom ver outras pessoas esforçando-se para tentar refletir sobre nossa natureza humana, intrinsecamente complexa. Desde a gênese somos assim: sem pólos, binarismos ou extremos. Como tal, podemos sucumbir e sofrer, errar e acertar, exagerar e faltar, e isso é a vida. Não podemos nos descaracterizar em nome de uma máscara social, sustentada por dores às vezes demasiado profundas. Nada vale suprimir nossa humanidade. Então o lance é o seguinte: vamos gritar, desabafar, chorar e deprimir o tempo que for necessário. Faz bem.
Leiamos:
Não seja superior: seja você mesma
A atriz Amber Heard
está sendo elogiada e celebrada por doar à caridade os US$ 7 milhões
que receberá no seu acordo de divórcio com o ator Johnny Depp. É como se
essa atitude fosse um “tapa com luva de pelica” na cara de todo mundo
que a chamou de oportunista quando ela o acusou de violência doméstica e
pediu a separação. Nessa história, Amber está “saindo por cima”. Mas
será que está mesmo?
A famosa página Humans of New York,
que traz retratos de pessoas comuns contando um pouco de suas histórias
na cidade, recentemente publicou o caso de uma senhora que, após traída
em um longo casamento com filhos e ver seu ex-marido casar-se com a
amante, passou por cima de sua própria mágoa para manter um bom
relacionamento com o pai das crianças, chegando até a participar de
festas em seu novo lar. Nos comentários, milhares elogiando sua
capacidade de ser uma “super mãe” que faz “tudo pelas crianças”. Mas o
que é “tudo”?
A escritora renomada J.K. Rowling
defendeu o nadador Tom Daley após ele ter sido vítima de trolls
homofóbicos no Twitter. Como é de praxe, conselhos do tipo “não alimente
os trolls”, “é isso o que eles querem”, “não adianta discutir”
começaram a pipocar, porque é isso o que esperam de quem sofre esse tipo
de ataque: que se calem, que sejam superiores, que não percam o seu
tempo com quem não vale a pena. Mas, no final, quem está pagando essa
pena?
Qual é a definição de ser superior quando uma mulher vive uma
experiência negativa, senão ignorá-la e fazer boas ações mesmo com seu
coração cheio de mágoas? Porque devemos almejar sempre sermos vistas
como santas, como pessoas tão superiores que jamais se afligem com as
provações terrenas, quando isso, na prática, significa um sofrimento
calado, uma raiva engolida? Isso tudo nos faz mal, nos adoece, mas
quantas vezes achamos isso melhor do que “descer o nível” e sermos
vistas como, imaginem vocês, humanas?
Para as mulheres negras essa situação se agrava por causa do
estereótipo de “barraqueiras”, como se agressividade fosse algo esperado
delas. Afinal, a ideia de uma mulher agressivamente lutando por algum
direito seu, nem que seja por respeito ou dignidade, não é muito
feminina. Esse tipo de atitude aborrece uma sociedade que nos quer ver
sempre mudas e coniventes com nosso próprio sofrimento. Quando algo nos
prejudica, SEMPRE há consequências emocionais: o que é esperado de nós,
porém, é que internalizemos a dor para não causar distúrbios no
privilégio masculino. Ser superior é fazer com a raiva sentida por uma
mulher silenciosamente imploda dentro dela e não exploda em praça
pública.
Mas estamos em guerra contra o machismo e vai haver explosões no
caminho. Nossa raiva tem uma razão de ser. E, se aprendemos que a
atitude certa ao sermos atacadas é ignorar, deixar pra lá, somos também
impedidas de exercer nossa liberdade de expressão. “Obrigar a pessoa
ofendida a ser superior é pedir que engulam uma traição, ofereçam perdão
automaticamente e, dessa forma, tomar para si ainda mais dor. É por
isso que ser superior é um saco. E, muito frequentemente, sexista”,
escreveu Elaine Lui em um artigo brilhante sobre o assunto (em inglês,
leia aqui: http://www.flare.com/culture/lainey-flare-eff-forgiveness).
Afinal, quando ofendidos, os homens são até celebrados ao reagir. Um
exemplo recente é o jogador Neymar que, após a vitória do futebol
masculino na final Olímpica, podia dar qualquer declaração positiva
sobre o significado desse momento, mas decidiu levar para o pessoal e
dizer: “Vocês vão ter que me engolir”, em infeliz referência ao
ex-técnico Zagallo que proferiu a mesma frase após também ter sido
momentaneamente desacreditado. Na internet, a reação foi de muita
compreensão ao Neymar e sabemos que o comportamento explosivo de Zagallo
sempre foi visto como parte de sua personalidade sem que isso
interferisse na sua capacidade profissional.
Aliás, homens do entretenimento constroem carreiras inteiras em cima
da fama de zangados, vide apresentadores de programas policialescos, que
se exaltam e até mesmo gritam diante das câmeras, e figuras
controversas como o rapper Chris Brown que, mesmo após um episódio
seríssimo e comprovado de violência doméstica, continua com sua carreira
praticamente intacta. A raiva masculina é perdoada e a das mulheres
deve se converter em perdão. Ainda que de maneira pacífica, uma mulher
que resolve falar sobre suas mágoas é vista como fraca, sentimentalóide,
alguém que não superou algo que já devia ter sido esquecido. É só
lembrar que Taylor Swift,
mesmo sendo branca e muito privilegiada, tem uma fama negativa por
escrever músicas sobre relacionamentos passados – como se diversos
cantores já não tivessem feito exatamente a mesma coisa (Olá, Adam
Levine e o álbum Songs About Jane).
Vamos combinar uma coisa? Na próxima vez em que formos magoadas,
feridas, traídas e prejudicadas, vamos “ser superiores” somente se for a
nossa vontade, se isso não nos matar por dentro, se nos trouxer paz e
segurança. Caso contrário, vamos respeitar nossos sentimentos e exigir
que os outros façam o mesmo. Diferente do que muita gente nos fez
acreditar a vida inteira, isso não é pedir demais. É apenas o que é
justo.#RaivaComRazão
Ler texto original no link: http://thinkolga.com/2016/08/26/nao-seja-superior-seja-voce-mesma/
sto.#RaivaComRazão
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