segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Ele chega antes




De mãos dadas é melhor.
                                                        

      
         


         O machismo é ancestral. Chega antes do nosso entendimento e do nosso julgamento. Muitos homens, e isso incluem vocês que leem aqui, certamente, são ou reproduzem machismo sem saber ou pretender. Mulheres também podem reproduzir o machismo que as vitima, se não forem cuidadosas. Sabe o que é mais digno? Não é negar, mas assumir que vivemos em uma sociedade preconceituosa e medíocre, que é difícil ser isento de preconceitos (portanto temos todos alguma dose de preconceito), que vivemos diariamente tentando combater essas ideias postas, essa hegemonia sexista perversa e que a nossa desconstrução deve ser permanente. Tentar desconstruir-se enquanto ser cultural cheio de vícios e atrasos é fundamental. Somos arremedos de uma prontidão. Não estamos acabados.

        É necessário humildade para reconhecer que ofendeu quando quem foi ofendido gritar, quem quer que seja ele, e não dizer que o outro não foi agredido. Não subestimemos a dor alheia. Enquanto a tecnologia e todos os aparatos modernos estão aí para aparentemente comunicar e aproximar, há na mesma via expressa um estranho distanciamento geral. Antes escondíamos chatices, preconceitos e eventuais deslizes desumanos por pudor ou vergonha. Hoje toda essa lama está exposta e imposta. Somos implacáveis: o sofrimento causado pelo racismo não existe, pelo machismo também não, pela exclusão social e econômica – menos ainda. Cada um por si e ninguém por todos. Às vezes vem a recordação de casos extremos como o de Neide, jovem negra e idealista, que mesmo nascida na extrema pobreza e numa família sem o mínimo de confiança no bairro periférico das Quintas, em Natal/RN, conseguiu formar-se na Universidade Federal do Rio Grande do Norte em Direito, e desejava ser juíza. Ela deu-me aulas particulares de reforço, quando eu era adolescente, e era simplesmente brilhante. Não preciso dizer que ela teria realizado o sonho, caso não tivesse morrido precocemente com um câncer, não é? Mas como a realidade é mais complexa e difícil, e não um mimimi, antes ela passou em primeiro lugar em um antigo concurso de um banco federal e mesmo assim não entrou. Motivo? Não tinha boa aparência. Ela era negra. Entrou o segundo colocado. Conseguiu alcançar? Com o feminismo é do mesmo jeito, e lutar por uma sociedade mais justa e igualitária para todos, homens e mulheres, é para alguns incompreensível e desnecessário. 

         Ã‰ preciso girar a roda e a cabeça mais ainda, de toda forma. Alteridade é imaginar-se no lugar do outro. Parece simples e soa romântico demais achar que fazendo isso ajudamos a mudar o lugar em que vivemos, mas é fato que realmente precisamos desta mínima simpatia pelo que está ao lado para termos dias mais palatáveis e , quiçá, agradáveis. Empatia, alguns diriam; respeito, outros. Não precisamos de uma nova existência para isso, largar a gula, deixar o álcool e o cigarro, entrar no monastério ou assumir uma vida enclausurada. Não, não é preciso de nada mais superior. Ainda que mundanos e erráticos, tentemos! Sei que nossa natureza não ajuda muito, mas nunca tentemos sair de uma discussão importante e necessária por preguiça, silenciando o outro com ironia, porque isso não muda nossa realidade difícil. Pelo contrário: aprofunda-a. Calar o outro, além de um ato sem educação, é sinal de insensibilidade. É isso. Não neguemos. Não acreditemos na perfeição do porta-retrato e no perfil antisséptico que criamos para as redes sociais. Desconstruamo-nos: diuturna, intermitente e incansavelmente. Ser humano dói. Ser mulher dói mais (acreditem).  
     


2 comentários:

  1. Denise, vim aqui por causa do Blog da Lola, que acompanho há alguns anos. Obrigado pelo excelente texto e pelo alerta presente nele de que sim, somos todos preconceituosos e precisamos desconstruir a nós mesmos todos os dias.
    Não é das tarefas mais fáceis, mas uma vez começado o caminho (pelo menos para mim) fica cada vez mais difícil "andar para trás". Não posso voltar para o eu de ontem que era bem pior do que o eu de hoje, que se (des)constroi para seu um eu menos pior amanhã.
    São textos como o seu, os da Lola e de tantos outros que fazem essa jornada valer a pena. Saber que não estamos sozinhos na busca pela igualdade, pelo respeito, pela empatia, faz com que tenhamos mais vontade de prosseguir.
    Obrigado por esse espaço. Já coloquei na minha lista de leituras.
    Um grande abraço.

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    1. Caro Flávio Moreira, fico feliz que tenhas gostado. Se puderes acessar novamente o blog, verás que há postagens mais recentes, bem como nesse ano de 2018 serei mais constante nas atualizações, pois decidi publicar minhas reflexões em forma de crônicas. Grande abraço e sigamos nesse caminho árduo que é o da evolução!

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